De
repente, ficar sem um par não é sinônimo de incurável solidão e insuportável
abandono. Nem precisa transformar se em ávida e imediata busca por novo amor.
"Maiores abandonados" fazem isso por causa de sentimento subjetivo de
orfandade e desespero. A solidão, porém, pode se converter em rica fonte de
crescimento, experiência e renovação. Angústias intensas, porém, prejudicam o
bom desfrute do estar só. Muitos homens e mulheres de diferentes idades
começaram o ano, a semana sozinhos, após terminar relações que não andavam bem
ou nunca existiram. Mas este não é apenas um momento de tristeza, é também um
tempo de cultivo, plantio e esperança. Pois o sentimento de solidão não é
causado porque não há alguém do lado, mas por se estar mal acompanhado de si
próprio. De fato, a única pessoa com quem não podemos deixar de ter uma boa
convivência somos nós mesmos! E, quando não se consegue conviver bem consigo,
não há santo amor que cure isso. Nós temos que estar sempre de bem conosco, de
bem com a gente e só assim poderemos estar bem com todos.
Por
exemplo, quando uma relação realmente chega ao fim, é natural que a pessoa
fique confusa, até se flagre sentindo saudade do antigo par, menos por amor e
mais por carência e dificuldade de ficar sozinha. Outras assombrações rondam a
alma, como o medo de nunca mais conseguir alguém. Mas, se houver paciência,
verá que isso é causado por ilusória extensão do sentimento de perda e solidão
atual. Separar-se de alguém - mesmo dos que não desejamos mais - provoca
difícil e lento sentimento de luto. É necessário um tempo de espera - tempo
este que, sabendo usá-lo, pode ser salutar e promissor. Tempo de aprender com
os equívocos (esses aparecem demais em nossas vidas), de refletir sobre o que
deu errado, de autoconhecimento, momento sereno e triste de despedida interna
do "ex", ou da "ex", o adeus silencioso e subjetivo que,
com sorte, será constituído mais de gratidão do que de mágoa.
Melhor
assim do que continuar algo que não tinha mais sentido, com quem não se amava
mais, ou por quem não se era mais amado, ou amada. É melhor ficar um período em
"férias" do amor do que logo partir para outras relações apenas
porque não se está mais acostumado a ficar só. A vida, afinal, não é uma
performance de sucesso o tempo todo. Sofremos revezes e essa é a hora de enfrentá-los
com a cabeça no lugar de quem se sabe imperfeito, finito e mortal. Não importa
se por acaso a ex-cara-metade, num rompante de fraqueza, artimanha ou vingança,
rapidamente passou a desfilar na companhia de outro, ou de outra, numa espécie
de jogo arrogante e exibicionista para deleite da platéia. Quem sai de um par e
consegue ficar sozinho por um tempo, por ainda não ter ninguém significativo,
expressa integridade, caráter e firmeza. É importante nos protegermos do
espírito descartável da cultura atual, da obrigação de ser "feliz",
das ilusões mágicas transmitidas pela mídia.
Mas há
uma diferença entre a solidão criativa e o isolamento melancólico; o luto sadio
e o patológico. Ao se ficar só, a hora é de voltar-se para si, para os parentes
e amigos, para os próprios interesses e hobbies, não raro vítimas de certo
descuido em prol da vida a dois. Quando uma relação termina, ou se outra demora
a acontecer, tem-se a chance de um retorno às próprias fontes, um renovado
contato com a liberdade e também - por que não? - com a condição solitária da
espécie humana. Não no sentido de uma sombria e interminável viagem pelos
labirintos sem saída do ser; ou pelas depressões infindáveis e outras
experiências igualmente pouco saudáveis. Isso só desvirtua o instante deste pit
stop para reabastecimento existencial e retorno posterior às pistas e à corrida
da vida. Novos amores estarão à espreita. Caso contrário, o luto pela perda de
uma recente relação ou o lamento por uma solidão estão sendo transfigurados por
uma parte pouco sadia da personalidade que precisa não tanto de um par, mas, antes,
de um terapeuta urgentemente.
Com
frequência somos confrontados com a triste realidade de vários
tipos de despossuídos — os sem-terra, os sem-teto, os
sem-emprego. Mas existe outra categoria de necessitados muito
sofrida no silêncio de sua amargura, e que é pouco lembrada, talvez
até pelo pudor em se revelar. Falo dos “sem-amor”.
Para
pertencer à classe dos “sem-amor” não basta estar sozinho. Há
pessoas avulsas que não se sentem rejeitadas. Alimentam sempre a
esperança de que alguém está prestes a chegar, como na
música Anunciação, de Alceu Valença (66): “Tu vens, tu vens, eu
já escuto os teus sinais”. São homens e mulheres que, apesar de
sozinhos, estão plenos de otimismo, e curte a própria companhia, a
dos amigos, dos familiares, dos colegas de trabalho. Estes estão
mais credenciados a encontrar a cara-metade, ainda que demore. Eles
tentam, tentam e falham, sim, mas não passam recibo aos “nãos” que
vão colecionando, não conectam a adversidade dos
encontros desencontrados a um sentimento de rejeição. Continuam
sozinhos, mas seguem em frente — de preferência aprendendo com a
experiência e os próprios erros.
Paradoxalmente,
os que mais necessitam de um amor são os que não se sentem
bem sozinhos e tampouco têm facilidade para criar as condições que
poderiam propiciar possíveis encontros afetivos, ainda
que desencontrados. Esses são os verdadeiros “sem-amor”. Não porque
sejam patinhos-feios — muitos são até bem dotados fisicamente —, mas
por não conseguirem desenvolver aspectos da personalidade que
favoreçam os relacionamentos. Alguns sequer têm noção do que é o
amor, porque nunca tiveram essa experiência, nem com os pais ou a
família. Outros só sabem receber amor, sem conseguir dar, e há os que
têm dificuldade crônica em criar sintonia com as demais pessoas — passam
pela vida como imigrantes vindos de outro planeta.
Claro que
todo mundo tem um ladinho esquisito, no entanto outras credenciais
da personalidade podem servir de contrapeso. Por isso a Terapia tem
sido de grande ajuda em alguns casos. A pessoa precisa sentir-se bem
para poder se comunicar, ser espontânea
(não necessariamente extrovertida) e então poder criar
uma “linguagem” que desperte diálogo estimulante, interesse,
desejo e assim não se sentir rejeitada.
Às vezes
é difícil avaliar se o sentimento de rejeição vem da dificuldade
de relacionamento ou se a determina. Uma pessoa que carrega o
sentimento de não ser capaz de despertar interesse acaba por
cair na velha armadilha da profecia que se auto-realiza: como já
se sente rejeitada, se atrapalha, troca os pés pelas mãos e
acaba, enfim, atraindo a rejeição.
Decepcionados,
alguns dos “sem-amor” se isolam. Mas há quem, mesmo
sem conseguir superar esses obstáculos, sinta que, de alguma
forma, precisa se relacionar. Para estes, toda forma de amor vale a
pena, inclusive as relações superficiais transitórias, às
vezes sustentadas apenas por sexo, que até aliviam no varejo do dia a
dia, mas podem produzir vazios no horizonte da existência. A situação mantém-se
assim até o momento em que eles percebem que há caminhos mais
consistentes a seguir, que o amor pode ser mais amplo, direcionado
não apenas a um parceiro, mas aos filhos, aos amigos, às causas
sociais, ao trabalho. Quando se dão conta disso, muitos até deixam de
ser “sem-amor”. Viva o amor!!!